
Roberto Francisco

“Vinde a mim as criancinhas...” era esse o título inicial de “Sexo, Sacerdócio e Sangue”.
Ao fazer um curso de Dramaturgia com Chico de Assis, grande mestre na arte de escrever para teatro, tinha que escrever, ao final, um texto como conclusão. À época o excerto bíblico citado acima, de Lucas 18, 15-17, me vinha à mente sempre que me deparava nos jornais e revistas com notícias sobre pedofilia na Igreja. Em especial me tocou fundo a capa da revista VEJA de 24/04/2002, primorosa, onde o Papa João Paulo II tornava-se símbolo da dor.
Sem querer me arvorar paladino de qualquer moral, comecei a sentir o tormento desse escândalo e a me sentir extremamente incomodado. A palavra pedofilia volteava minha mente o tempo todo, assim como Lucas e por conseguinte, a Igreja. Comecei a achar que deveria por no papel esse incômodo para libertar-me dele. E por que não em forma de Teatro?
A partir daí, iniciei uma pesquisa sobre a hierarquia dentro da Igreja. Uma pesquisa sobre pedofilia, celibato e desejos sexuais. Fui me deparando então, com um enorme leque de fatos, notícias e matérias sobre o assunto. Entre elas uma matéria da revista Realidade de setembro de 1966 sob o título “Sou padre e quero casar”, um depoimento angustiado de um padre norte americano de pseudônimo Stephen Nash. Anotei trechos de sua entrevista “ipsis literis”. Foi se formando então, o pano de fundo para uma obra dramatúrgica que não apenas falasse das mazelas encontradas e ocultadas nos porões da Igreja, mas que ressaltasse, em primeiríssimo plano, o ser humano, com suas necessidades e angústias, com sua fé e suas contradições, que falasse do amor que vai às almas dos homens, mesmo dos mais atormentados.
Queria mostrar, ou pretendia, que o homem é dual sempre. Que nele há o bem e o mal, o amor e o ódio, o certo e o errado. Mas o que seriam essas palavras contraditórias senão o exemplo do contraditório dentro do ser humano? Complementos. Essa me foi a resposta. Uma só existe no contraponto da outra. Elas se somam, se completam e também se digladiam dentro da mente humana.
Tratar dessas contradições iria ser então a pauta do meu trabalho. Não tinha por objetivo conflitar com a Igreja e seus dogmas, nem mostrar-me preconceituoso quanto a este ou aquele comportamento. Queria falar sobre o homem e sua imensa gama de emoções, contraditórias, conflitantes, tortuosas, doloridas, mas acima de tudo humanas.
Lembrei-me também de Darwin: “O homem não é o anjo caído, mas sim o animal evoluído.”
Deparei-me com esse homem que também habitava em mim e fui colocando na boca de personagens fictícios todos os tormentos que podia vislumbrar e imaginar, convivendo no ser duplo que é o Homem.
Tentei. Espero ter conseguido.
Valeu-me como trabalho de conclusão do Curso de Dramaturgia.
Valeu-me um prêmio no Concurso de Dramaturgia da Secretaria de Cultura de Osasco.
Valeu-me ter estudado latim na escola.
Valeu-me ter exorcizado meu incômodo com o assunto.
Eis a obra.
Não espero que incomode, apenas que cause reflexão.
Roberto Francisco